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ANÁLISE JURÍDICA DA POSSIBILIDADE DE CARACTERIZAÇÃO DE CRIME NO CASO DA GREVE DOS CAMINHONEIROS


Autor: Hans Robert Dalbello Braga (Professor/Mestre)

Em razão do movimento geral de paralisação dos caminhoneiros a Polícia Federal informou, por meio de órgãos da Administração Pública Direta, que foram instaurados inquéritos policiais (vide arts 4.º a 23, todos do CPP) para averiguar eventual cometimento de Crimes Contra a Organização do Trabalho, a segurança dos meios de transporte e outros serviços públicos relevantes.

O Ministro da Segurança Pública afirmou que existem indícios de Lockout entre caminhoneiros e empresas de transporte para compelir o Governo a reduzir o preço do diesel, entre outras reivindicações da classe. Ademais, alega-se que muitos caminhoneiros estão bloqueando estradas impedindo o transporte de produtos e serviços essenciais para a continuidade da ordem econômica e social.

Sendo assim, diante desse breve relato, baseado em notícias, realizarei uma análise jurídica para responder a seguinte indagação: A PARALISAÇÃO DOS CAMINHEIROS CARACTERIZA ALGUMA INFRAÇÃO PENAL?

Sabemos que em virtude da paralisação geral dos profissionais que trabalham com transporte de produtos e serviços houve inúmeros reflexos negativos na economia brasileira e, sobretudo, a paralisação de vários setores importantes da economia. É importante ressaltar que, nessa breve análise jurídico-penal, não ingressaremos nos profundos e graves problemas de logística que o nosso país enfrenta em razão da falta de investimento em outros meios de transporte. Também não pretendemos adentrar em questões sociais, políticas, ideológicas ou econômicas, mas apenas jurídicas, tendo em perspectiva a resposta penal diante da crise dos transportes.

Preliminarmente, é forçoso, desde já, afirmar que NÃO entendemos estar caracterizado NENHUM CRIME CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO, salvo o surgimento de novos relatos, senão vejamos:

Diante do princípio da especialidade o tipo penal que poderia se coadunar ao caso em tela é o de PARALISAÇÃO DE TRABALHO DE INTERESSE PÚBLICO previsto no art. 201 do Código Penal, que apresente a seguinte redação in verbis: “Participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa”.

O tipo penal pretende, com sua redação, criminalizar a GREVE e o LOCKOUT pacíficos, isto, pois, se a greve e/ou o lockout forem realizados com o emprego de violência ou grave ameaça ocorrera outra infração penal (vide art. 200 do CP).

No nosso entendimento, data vênia, o tipo penal supratranscrito (vide art. 201 do CP) ESTÁ TACITAMENTE REVOGADO e, sobretudo, NÃO FOI RECEPCIONADO pela CF. Adotamos esse entendimento seguindo a doutrina de CEZAR ROBERTO BITENCOURT, PAULO CÉSAR BUSATO, CLÁUDIO MIKIO SUZUKI, VICTOR EDUARDO RIOS GONÇALVES, ROBERTO DELMANTO Jr., HELENO FRAGOSO, FERNANDO CAPEZ, DÁMASIO EVANGELISTA DE JESUS, LUIZ RÉGIS PRADO entre muitos outros, é, portanto, a posição francamente majoritária na doutrina penal.

Entretanto, JULIO FABBRINI MIRABETE depreende que devesse entender que o dispositivo continua em vigor, mas que não basta que se trate de obra pública, mas é necessário que ela caracterize serviço ou atividade essencial, ou seja, aquelas que não atendidas geram risco iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. Ademais, nesse sentido GUILHERM DE SOUZA NUCCI depreende que a greve pacífica em setores não essenciais caracteriza fato atípico, mas nos setores essências o direito não é ilimitado, mas controlado por lei, de modo que em caso de abuso ainda haveria possibilidade de aplicação do tipo penal.

Assim sendo, conforme doutrina majoritária, a GREVE PACÍFICA, conforme art. 9.º da CF é direito fundamental devidamente assegurado. Ademais, a regulamentação dos serviços essências foi feita pela Lei n.º 7.783/89, que ab-rogou a antiga lei de greve (vide Lei n.º 4.330/64). Portanto, a greve pacífica é FATO MANIFESTAMENTE ATÍPICO, mesmo que de serviços essenciais ou de utilidade pública, ainda que realizada por funcionário público (vide art. 327 do CP).

Ainda que o art. 10 da lei n.º 7.783/89, disponha sobre quais são os serviços ou atividades essenciais e que o art. 11 c/c., art. 14 ambos da referida legislação disponham que: “Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”, o tipo penal do art. 201 do CP não menciona, de qualquer modo, o abuso no direito de greve, mas simplesmente faz previsão a respeito de participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, provocando interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo, coisas que não são, absolutamente, vedadas nem pela Constituição da República, tampouco pela legislação penal atual que regula a matéria.

Por conseguinte, o entendimento mais acertado é claramente pela REVOGAÇÃO TÁCITA do art. 201 do CP, de modo que a GREVE PACÍFICA CARACTERIZA FATO ATÍPICO. Por outro lado, ainda que alguém considerasse o fato formalmente típico não seria ilícito em razão da excludente de ilicitude do exercício regular de direito previsto no art. 23, inciso III, in fine, do CP, decorrente do próprio texto constitucional.

No entanto, a GREVE VIOLENTA, conforme entendimento majoritário, que adotamos, continua sendo criminalizada nos termos do art. 200 do CP, que tem a seguinte redação: “Participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, praticando violência contra pessoa ou contra coisa: Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência. Parágrafo único - Para que se considere coletivo o abandono de trabalho é indispensável o concurso de, pelo menos, três empregados”. Ainda que a CF consagre o direito a greve, a ordem constitucional não admite o emprego de violência ou grave ameaça para o exercício desse direito. É importante salientar que a lei penal só deve atingir o participante que adere ao movimento grevista e passa a fazer uso de violência, de maneira que aqueles que participaram pacificamente não se submetem ao preceito da norma incriminadora supra. Outrossim, a eventual pratica de constrangimento que obstaculize ou inviabilize alguém a trabalhar pode caracterizar o crime previsto no art. 197, inciso I do CP.

Todavia, é importante frisar a distinção entre GREVE e LOCKOUT, pois este último está expressamente proibido pelo art. 17 da Lei n.º 7.783/89, e a CF só fez expressa referência à greve como direito fundamental. Quando a paralisação é realizada pelos empregados há GREVE. No entanto, quando a suspensão ou paralização é ocasionada pelo empregador há LOCKOUT. A doutrina penal, em geral, data máxima vênia, é lacônica no que tange à caracterização de crime no caso de LOCKOUT.

Assim, diante dessa lacuna literária, entendemos, com a devida vênia, que o LOCKOUT pode caracterizar crime, pois não foi abrangido pelo art. 9.º da CF e, sobretudo, levando em consideração que é prática proibida no âmbito administrativo (vide art. 17 da lei n.º 7.783/89), nada impede a caracterização do delito do art. 201 do CP. No entanto, não há provas ou ao menos indícios de que no caso concreto exista LOCKOUT, salvo informações em sentido contrário, o que deverá ser apurado em sede policial e, eventual, ação penal.

Com relação ao fechamento das rodovias, conforme notícias veiculadas pode-se afirmar que o art. 181, inciso V da Lei n.º 9.503/97, o CTB estabelece ser infração gravíssima estacionar veículos nas rodovias. No âmbito do Direito Penal, que é a ultima ratio, o art. 262 do CP, define o tipo penal de atentado contra a segurança de meio de transporte público (ônibus, lotações, táxis, entre outros), o que parece não ter se caracterizado no caso em tela, até porque o tipo penal só admite a modalidade dolosa. Por outro lado, se a obstrução de transportes públicos tiver finalidade política, pode ocorrer, conforme o caso, o crime de sabotagem nas vias de transporte, previsto no art. 15 da Lei n.º 7.170/83, o que, aparentemente, também não parece ser o caso!

Com efeito, diante de tudo, conforme notícias que recebemos, podemos afirmar que a GREVE DOS CAMINHONEIROS NÃO CARACTERIZA CRIME, haja vista o disposto no ordenamento jurídico pátrio, notadamente o art. 9.º da CF. No entanto, temos que aguardar eventuais investigações realizadas pela PF.


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